COMPORTAMENTO DE VÍTIMA: O QUE ELE REVELA SOBRE A SAÚDE MENTAL?
Por Washington Pêpe*
Intodução
Você já se deparou com alguém que parece sempre encontrar um problema para cada solução? Ou que constantemente se coloca no papel de vítima, mesmo diante de situações corriqueiras? Este texto busca desmistificar o vitimismo, explorando suas características, causas e possíveis transtornos associados. Ao compreender melhor esse comportamento, podemos aprender a lidar com pessoas que o manifestam e, principalmente, identificar traços vitimistas em nós mesmos, buscando um caminho para uma vida mais leve e responsável e saudável.






Pessoas viciadas em sofrimento e infelicidade
O vitimismo, segundo o dicionário, é o sentimento de ser vítima, a percepção de estar sempre sofrendo opressão ou discriminação. Algumas pessoas parecem viciadas em se sentir infelizes, buscando a compaixão alheia. Frases como "ninguém me entende" ou "tudo dá errado para mim" são comuns em seu vocabulário. O vitimista culpa os outros por seus problemas, seja o sistema, os colegas, o cônjuge ou os chefes.
Essa pessoa é geralmente negativa e manipuladora. Se você oferece uma solução, ela encontra um problema. Quando percebe que não receberá a ajuda que espera, elege outra pessoa para lamentar e difamar quem antes o auxiliava. O vitimista não busca resolver seus problemas, mas sim ter pessoas ao seu lado para alimentar sua condição de vítima e continuar reclamando. Isso me remete a um acontecimento narrado na bíblia. A bíblia ilustra isso com a história do paralítico de Betesda, que, ao ser questionado por Jesus se queria ser curado, reclamou de sua situação em vez de simplesmente aceitar a cura. Assim como ele, o vitimista transfere suas responsabilidades para os outros, esperando que resolvam seus problemas.
Jesus se apresentou para resolver definitivamente o problema dele e ele aproveitou para reclamar da vida e da situação que estava passando em vez de focar na solução.
O vitimista também é um "vampiro energético", queixando-se constantemente e esgotando a energia de quem o ouve. Ele sente prazer em reclamar, pois isso atrai a piedade das pessoas, que é o seu objetivo maior. Mesmo que tudo pareça perfeito, ele encontra algo para reclamar e se ofender.
Além disso, o vitimista é desconfiado, acreditando que sempre há alguém querendo enganá-lo. Ele é melindroso e instável, pronto para desistir de tudo. Qualquer brincadeira pode acionar gatilhos e fazê-lo se defender de um ataque imaginário. Ele testa as pessoas o tempo todo para ver se o amam de verdade, buscando a confirmação de que é rejeitado.
É comum que o vitimista faça coisas "pra ver se" o outro se importa, como terminar um namoro ou esperar que o outro se lembre de uma data importante. Conviver com pessoas assim não é fácil, e muitas vezes é preciso "levantar-se e andar" cuidando da própria saúde mental.
A melhor forma de lidar com o vitimista é não ceder à manipulação, ignore quando perceber que está sendo testado e não insista em convites recusados, sim, é comum você convidar uma pessoa assim para ir com você em algum lugar, uma festa, etc, e ela recusar PRA VER SE você vai insistir, este tipo de atitude pode estar ligado ao TPB, (transtorno da Personalidade Borderline), um transtorno que leva a pessoa a estar sempre com medo de ser abandonada e por esta razão está sempre testando os amigos, o conjuge, etc. Conheço um caso de uma mulhere que terminou o relacionamento com o namorado "pra ver se" ele ia pedir pra ela voltar, esperou uma semana e quando resolveu procura-lo "a fila havia andando", ela então saiu espalhando para os amigos em comum que ele nunca gostou dela e já estava querendo deixá-la.
Leva algum tempo para uma pessoa assim buscar auxilio profissional de psicólogos ou psicanalistas, as vezes só procuram quando já estão com seus realcionamentos bastante deteriorados.
O vitimismo pode estar associado a transtornos de personalidade, como o histriônico (busca por atenção), o borderline (instabilidade emocional) e o narcisista (grandiosidade e falta de empatia). A hipótese diagnóstica mais provável é a de Transtorno de Personalidade Narcisista, em que o indivíduo busca atenção e manipula os outros para se sentir superior.
Na teoria psicanalítica freudiana, a fixação no sofrimento pode ser um ato narcisista, em que a energia psíquica (libido) é direcionada para o próprio ego em vez de para o mundo externo. Essa fixação impede o desenvolvimento psicológico saudável e a capacidade de se relacionar bem.
Essa fixação também pode servir a ganhos secundários, como atenção e simpatia, reforçando o comportamento vitimista. Em alguns casos, pode estar enraizada em traumas passados, sendo uma tentativa inconsciente de dominar o sofrimento.
A cura do vitimismo requer um redirecionamento gradual da libido para o mundo externo, explorando traumas passados, desenvolvendo insight (compreensão) sobre os ganhos secundários e cultivando relacionamentos significativos. Ao investir em atividades e conexões externas, o indivíduo pode se libertar do narcisismo e abraçar um senso de self (identidade) mais autêntico.
O vitimista, muitas vezes, sofre do Transtorno da Personalidade Narcísica, buscando atenção e acusando os outros de perseguição (traços de Transtorno de Personalidade Paranoide). Ele precisa de uma plateia para alimentar seu ego, mas quando as pessoas se afastam, ele as inclui no rol de perseguidores.
Muito dificilmente uma pessoa com o Transtorno da Personalidade Narcisista irá buscar auxílio, o Transtorno da Personalidade Narcisista se caracteriza por um padrão persistente de grandiosidade, necessidade excessiva de admiração e falta de empatia. Essas pessoas frequentemente se veem como especiais, superiores ou únicas, demonstrando grande dificuldade em reconhecer suas próprias falhas ou limitações.
Pessoas com TPN raramente procuram terapia devido à autopercepção inflada, uso intenso de defesas psicológicas e a influência de fatores sociais.
A busca por auxílio ocorre, em geral, diante de crises externas, intensas perdas ou pressão do ambiente.
Estudos recentes (Ronningstam, 2022; Gabbard, 2022; Caligor et al., 2015) comprovam as barreiras cognitivas e emocionais, a baixa motivação intrínseca para tratamento e a alta taxa de desistência.
Pois, pelo fato de apresentarem:
Autopercepção Inflada: Muitos narcisistas genuinamente acreditam que não possuem falhas significativas, logo não percebem razão para buscar ajuda.
Dificuldade em admitir vulnerabilidade: Aceitar que precisam de apoio psicológico seria, para eles, admitir fragilidade ou insuficiência, o que ameaça sua autoimagem idealizada, quando se vitimizam, o fazem apenas para trazer pessoas para servi-lo e diminuir a imagem de quem acusam de cometer injustiça contra eles.
Desvalorização do outro: Profissionais de saúde mental podem ser vistos como inferiores ou incapazes de compreender sua "singularidade", o que reduz a confiança no tratamento.
Barreiras cognitivas e emocionais
Pessoas com TPN enfrentam barreiras internas que dificultam o reconhecimento e aceitação de suas fragilidades. Entre elas:
Falta de insight: Dificuldade em perceber o impacto negativo de seus comportamentos nos outros e em si mesmos.
Vergonha e medo de humilhação: Quando se deparam com limitações, sentem vergonha intensa e podem reagir com raiva ou desprezo.
Fragilidade da autoestima: Apesar da aparência de autoconfiança, sua autoestima é instável e dependente da validação externa, tornando assustador admitir problemas.
Estudos recentes (ex: Ronningstam, 2022) mostram que a negação do sofrimento interno pode ser um fator predominante, associado à manutenção do status de superioridade.
Mecanismos de defesa psicológica
Indivíduos narcisistas costumam utilizar mecanismos de defesa para proteger sua autoimagem. Os mais comuns relacionados à resistência terapêutica são:
Negação: Recusa em admitir que existe um problema.
Racionalização: Encontram explicações elaboradas para justificar comportamentos inadequados ("os outros têm inveja, por isso me criticam").
Projeção: Atribuem suas próprias limitações ou emoções negativas a terceiros ("o terapeuta é que é incompetente, não eu").
Desvalorização do terapeuta ou do processo: Diminuem o valor da psicoterapia ou da figura do terapeuta para não admitir que precisam de ajuda.
Esses mecanismos dificultam o processo de autopercepção honesta e limitam o engajamento com o tratamento.
Fatores sociais e relacionais
O meio social também pode reforçar a resistência ao tratamento em pessoas com TPN:
Círculo de apoio condescendente ou codependente: Amigos e familiares podem minimizar problemas para evitar conflitos, alimentando a ideia de que não há nada de errado.
Estigma social: Existe um preconceito cultural em relação à busca de auxílio psicológico, especialmente para quem teme ser visto como fraco.
Ambientes competitivos: Contextos que valorizam o sucesso e a aparência, como o ambiente corporativo, reforçam a postura narcisista e desencorajam a vulnerabilidade.
Disparadores externos que podem levar à busca por terapia
Apesar de toda a resistência, certos eventos podem incentivar pessoas com TPN a considerar o tratamento:
Perda de status ou fracasso significativo: Demissão, divórcio ou fracasso público podem gerar sofrimento intenso difícil de negar.
Problemas legais ou profissionais: Ocorrências como processos, ameaças à reputação ou perda de clientes podem funcionar como alerta.
Pressão de pessoas próximas: Parentes, parceiros ou amigos podem condicionar o convívio à adesão ao tratamento.
Sintomas psicológicos debilitantes: Depressão, ansiedade elevada ou crises de raiva incontroláveis podem trazer a pessoa ao consultório.
Segundo Gabbard (2022), esses disparadores geralmente criam uma crise de autopercepção, tornando temporariamente mais permeável a busca por ajuda.
Exemplos clínicos e estudos de caso
Estudos de caso e relatos clínicos frequentemente ilustram a resistência do narcisista ao tratamento:
Caso 1: Um executivo com TPN foi encaminhado à terapia após denúncias de assédio moral. Inicialmente, negou qualquer responsabilidade e desqualificou tanto colegas quanto a psicóloga. Só após uma ameaça de demissão ele iniciou, relutantemente, o processo terapêutico.
Caso 2: Uma paciente em processo de divórcio, relatado em estudo por Caligor et al. (2015), procurou terapia unicamente porque o ex-marido solicitou como condição para manter o contato com os filhos. Ao longo das sessões, demonstrava pouca adesão e frequentemente diminuía a importância dos próprios problemas, interrompendo o tratamento precocemente.
Estudos longitudinais mostram que a maioria dos pacientes com TPN abandona o tratamento antes de completar o processo, especialmente se o foco da terapia é autoconhecimento e mudança de comportamento (Ronningstam, 2022).
Seria o vitimismo a outra face do narcisismo?
Conheça mais sobre transtornos de perdonalides AQUI.
*Washington Pêpe - Psicanalista, Advogado, Especialista em Ciências Criminais e Especialista em Criminologia. Filiado à Associação Nacional de Terapia e Psicanálise Clínica.
Referências:
Caligor, E., Levy, K. N., & Yeomans, F. E. (2015). Narcissistic Personality Disorder: Diagnostic and Clinical Challenges. American Journal of Psychiatry.
Gabbard, G. O. (2022). Treatment of Narcissistic Personality Disorder. Psychiatric Clinics.
Ronningstam, E. (2022). Clinical challenges in recognizing and treating narcissistic personality disorder. Dialogues in Clinical Neuroscience.
² Ora, em Jerusalém há, próximo à porta das ovelhas, um tanque, chamado em hebreu Betesda, o qual tem cinco alpendres.
³ Nestes jazia grande multidão de enfermos, cegos, mancos e ressecados, esperando o movimento da água.
⁴ Porquanto um anjo descia em certo tempo ao tanque, e agitava a água; e o primeiro que ali descia, depois do movimento da água, sarava de qualquer enfermidade que tivesse.
⁵ E estava ali um homem que, havia trinta e oito anos, se achava enfermo.
⁶ E Jesus, vendo este deitado, e sabendo que estava neste estado havia muito tempo, disse-lhe: Queres ficar são?
⁷ O enfermo respondeu-lhe: Senhor, não tenho homem algum que, quando a água é agitada, me ponha no tanque; mas, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.
⁸ Jesus disse-lhe: Levanta-te, toma o teu leito, e anda. João 5:2-8.