"Não julgueis, para que não sejais julgados"


"Não julgueis, para que não sejais julgados." Esta passagem bíblica é frequentemente citada como um comando absoluto contra qualquer forma de julgamento. Mas será que a Bíblia realmente nos proíbe de emitir qualquer juízo sobre ações alheias? Ou estamos diante de uma simplificação que não reflete a totalidade dos ensinamentos das Escrituras? Prepare-se para reexaminar esta questão sob uma perspectiva mais profunda que desafia o entendimento popular e revela nuances surpreendentes sobre o ato de julgar.
A Bíblia realmente proíbe julgar?
No capítulo 5 do Evangelho de Mateus, Jesus inicia o célebre Sermão do Monte, uma de suas mensagens mais emblemáticas.
Em ambientes religiosos, frequentemente se ouve, durante discussões sobre falhas de caráter ou erros cometidos por pessoas que deveriam servir de exemplo, alguém citar Mateus 7:1: “Não julgueis, para que não sejais julgados”. Entretanto, muitas vezes a conversa se encerra neste ponto, negligenciando a explicação complementar que Jesus oferece logo em seguida:
“Porque com a mesma medida com que julgardes, sereis também vós julgados; e com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também.” (Mateus 7:2)
O versículo 3 questiona: "Por que reparas no argueiro que está no olho do teu irmão e não vês a trave que está no teu próprio olho?"
No versículo 4, encontramos: "Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu?"
E Jesus conclui no versículo 5: "Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu próprio olho, e então verás claramente para tirar o argueiro do olho do teu irmão."
Torna-se evidente, portanto, que ao removermos a trave de nosso próprio olho, nos habilitamos a auxiliar nosso irmão a remover o argueiro do seu. A proibição aqui não é o ato de julgar em si, mas fazê-lo de maneira hipócrita ou precipitada, condenando nos outros aquilo que também praticamos, ou mesmo falhas mais graves. Por isso, Jesus adverte que seremos julgados conforme julgamos. Quem julga sem conhecer os fatos, hipocrisia ou clareza, comete injustiça e sujeita-se a sofrer a mesma injustiça.
Então, a Bíblia nos proíbe de julgar? À luz das Escrituras, a resposta é NÃO. A Bíblia não proíbe o julgamento, desde que este seja realizado com legitimidade e preparação adequadas.
Mas quem está apto a julgar? A resposta encontra-se no próprio versículo 5 do capítulo 7 de Mateus: "Tira primeiro a trave do teu olho, e então verás claramente para tirar o argueiro do olho do teu irmão."
E quem possui legitimidade? Jesus responde em João 7:24: “Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça.”
Esta orientação harmoniza-se com Levítico 19:15: "Não fareis injustiça no juízo; não favoreças nem o pobre nem cumpras o poderoso; com justiça julgarás o teu próximo."
Somente aquele que não se deixa influenciar pelas aparências e compreende o que é justiça reta possui autoridade para julgar adequadamente os que infringem a lei, seja ela civil ou religiosa.
Quanto ao versículo isolado "não julgueis, para não serdes julgados", muitos equivocam-se em sua interpretação por não distinguirem entre julgar e discernir. Julgar é atribuição de autoridades constituídas: na sociedade, os magistrados; nas igrejas, padres e pastores; nos Centros Espíritas, os dirigentes. O processo adequado envolve ouvir todas as partes, colher depoimentos e permitir a defesa do acusado, para então proferir uma sentença justa. Jesus nos proibiu de usurpar o lugar de juízes sem legitimidade, baseando julgamentos em rumores e leviandades. Sem esta distinção, líderes religiosos estariam impedidos de exercer disciplina, e mestres não poderiam afastar discípulos desobedientes da comunhão.
Quando observamos uma conduta reprovável e nos afastamos para proteção, ou advertimos irmãos para que tenham cautela, não estamos julgando, mas discernindo entre o certo e o errado.
Foi precisamente isso que Jesus ensinou: ainda no Sermão do Monte, Mateus 7:15-20, recomenda observarmos a conduta daqueles que se dizem profetas, para analisarmos a qualidade de seus frutos — exercício de discernimento, não de julgamento.
Jesus disse:
"Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis." (Mateus 7:15-20)
Muitos aparentam ser exemplares discípulos, pastores ou mestres. Devemos, porém, desconsiderar a aparência e atentar aos frutos; menos palavras, mais ações: observe o comportamento, a vida, a família, o exemplo. Se os frutos contradizem as palavras, o afastamento é prudente. Como pode alguém orientar famílias quando sua própria vida encontra-se em desordem? Sobre estes, Jesus advertiu claramente:
“Deixai-os! São cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão no buraco.” (Mateus 15:14)
Muitos relutam em abandoná-los devido ao carisma, eloquência, simpatia e atenção que demonstram, mas isso constitui idolatria. Não devemos seguir quem não vive conforme os ensinamentos do Mestre, ainda que repita suas palavras.
O livro de Provérbios 14:12 adverte: “Há caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele conduz à morte.”
Ao concluir o Sermão do Monte, Jesus afirma:
“Todo aquele, pois, que ouve as minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente, que edificou sua casa sobre a rocha.” (Mateus 7:24)
“Para vergonha vossa o digo. Não há, pois, entre vós sábio sequer, que possa julgar entre seus irmãos?” (1 Coríntios 6:5)
Washington Pêpe


